domingo, 19 de setembro de 2010

Ouvi dizer!

   Ouvi dizer que tudo o que criei foi apagado.

   Ouvi dizer que tudo o que contruí foi destruido.

   Ouvi dizer que tudo o que imaginei foi ignorado.

   Ouvi dizer que tudo o que sonhei foi negado.

   Ouvi dizer que tudo o que tinha me foi retirado.

   Ouvi dizer que tudo o que possuia foi roubado.
  
   No fim de tudo isto, sorri, tudo era mentira, TU ESTAVAS VIVA...

1 comentário:

  1. Amigo Rui,

    já que andas numa de partilhar estas tuas (in)confidências poéticas (e ainda bem para mim!), aproveito e deixo aqui esta coisa minha, que escrevi quando era pouco mais velho do que tu. Lembrei-me deste poema, precisamente devido ao título que deste ao teu:


    ouve-me

    apetecia-me desviar todos os móveis e fazer um pequeno recreio
    com os meus carrinhos de plástico, o meu pequeno macacão de ganga com
    um elefante bordado, os meus lápis de cores. queria fazer do colo do meu pai
    o trono de ouro que outrora podia comigo, com os meus ossos frágeis,
    a minha boca suja de gelado e chocolate,
    depois a minha pele inchada de borbulhas e manchas de betadine.
    era, nesse tempo, a barba que picava, a caspa a cair nos ombros como a neve dos filmes.
    os álbuns estão cá todos: os meus, os dos meus pais e os dos meus irmãos.
    mas ninguém ficou cá. ninguém ficou como era nas fotografias, nos jardins do bom jesus,
    nos casamentos de primos de que já não me lembro.
    e escondo-me atrás destas fatias de melancia, escondo-me como os duendes que vi
    um dia debaixo das camélias do velho jardim em declive,
    os duendes operários nos rastos de visgo, nos rastos que os caracóis deixavam para me
    indicar o caminho de casa à escola.
    refugio-me nesse sabor insosso da canja de galinha
    que difere da dos natais com os meus avós;
    os anos preservaram o atávico tempero, o folclore da toalha de mesa, o cheiro a refogado
    adormecido nas cortinas.
    a canja sabe-me aos arames do pomar, onde as galinhas conspiram a sua fuga.
    o cão ladra debaixo da terra e pede-me para o levar à rua.
    fiquei sedimentado na água esverdeada do tanque
    e as orquídeas ainda sabem o meu nome de cor.

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