terça-feira, 7 de outubro de 2014

No paraíso também há dias de chuva...



Aqui, no paraíso, olho pela janela do meu quarto e a chuva cai nas estradas e nos passeios, rega as plantas e as pessoas que, desprevenidas neste dia tristonho, desfilam em roupa primaveril e espírito desinibido, como deve ser aqui. Estas tempestades chuvosas deviam ser proibidas no paraíso, onde tudo devia correr bem e ser bonito. Afinal, um dia aqui é assim: belo, com um sol ameno que faz sorrir os que o apanham, calmo e com uma leveza atmosférica que faz bem à alma e à vida da gente. Hoje, com esta chuva, está tudo ao contrário, com um sol tímido e gelado, um vento agitado e impaciente e um peso enorme nessa alma e nessa vida desta gente que, apesar de tudo, vive no paraíso. E eu, habitante deste lugar, não gosto nada desta chuva, destas lágrimas do céu que, como choro que é, torna o mundo mais cinzento, mais desanimado e mais entristecido. É incrível o efeito do tempo, da chuva, na gente do paraíso: a tristeza e o desânimo deste choro deixam as pessoas desmotivadas com a vida, sem vontade na conquista de alguma coisa, sem força nem felicidade, com medo de tudo e de qualquer lágrima que caia do céu.
Num olhar mais atento encontro, atrás das nuvens desta chuva, a luz constante do Sol do paraíso, mais cinzenta e ténue mas presente mesmo com a água tão teimosa. Pela janela continuo a ver pessoas: a sair de casa com impermeáveis e guarda-chuvas, a entrarem em cafés e livrarias protegidas, a enfrentarem aquilo que, ainda no parágrafo anterior, descrevi como intolerável para quem aqui mora, e foi assim que, agora, percebi que a chuva não é assim tão má nem tão aterrorizante, traz tristeza mas esta vem acompanhada por sabedoria, e num dia chuvoso com este cabe-me a mim, a nós, encontrar a bonança durante a tempestade porque, mesmo com tantos dias quentes e brilhantes, no paraíso também há dias de chuva.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Pensamentos ritmados



Estou num daqueles momentos de epifania, um daqueles momentos raros em que toda a nossa vida nos passa pela cabeça, todos os nossos amigos e conhecidos, todos os bons e maus momentos, todas as lágrimas e todos os risos, tudo com uma banda sonora de um jazz calmo e acolhedor. Passando tudo pela minha mente, ficam as conclusões e a vontade de fazer algo com elas, de mudar tudo e todo o mundo. Mas não agora, agora os pensamentos voltam e pedem-me para preencherem esta folha, para se transformarem em palavras e encherem esta folha. Porque não?
O jazz dá lugar a um instrumental de piano com apontamentos de violino num registo melancólico e triste pois assim é o pensamento mais rápido a chegar à minha caneta. A morte devia ser culpa de alguém, alguém em quem os que ficam pudessem descarregar a fúria, a mágoa, as palavras que ficaram por dizer e os sentimentos que ficaram mostrar. E esse mesmo alguém devia ter a dor de todos os que ficam, desamparados, sozinhos e perdidos. A morte devia vir com um manual de instruções, um guia de o que fazer, como agir, como chorar, o que dizer, o que sentir. Devia, a morte, ensinar, a quem não vai com ela, como preencher o vazio deixado por aqueles que a têm que acompanhar.
“Eu quero ser mais que perfeito, maior do que a imaginação (…)”. Estes versos, da primeira e original abertura de Pokémon, são o segundo pensamento: a infância. Tudo devia ser como na infância, mais fácil, mais sincero, mais feliz, mais divertido e com motivos fortes para nos fazer levantar da cama antes da hora da escola, como ver na televisão alguém como nós a andar “por toda a parte, pelos quatro cantos da Terra”. Tempos simples, tempos felizes e, sobretudo, tempos únicos.
Depois disto, o silêncio, musicalmente representando-se a si mesmo, como paragem na corrente de pensamentos avassaladoramente rápida da minha mente. O silêncio é desprezado quando, na verdade, ele diz mais palavras do que todos os dicionários do mundo, é preciso aprender a ouvi-lo e aprender a percebê-lo mas para isso não existem dicionários, infelizmente.
O futuro, desconhecido e irritante como o som que agora ocupa o meu cérebro, surge como a lembrança do valor do presente que, no fundo, determinará aquilo que os nossos (e não só) ouvidos ouvirão nesse tempo do amanhã. Parafraseando um conhecido ditado: o queres ter amanhã, conquista-o hoje, porque o futuro, nu e cru, não passa de um tempo desconhecido e irritante, como o som, à espera de um empurrãozinho para mudar.
Depois de tantos pensamentos e tantos sons, há uma guitarra que surge no eco de um “novo” pensamento: a amizade, cantada num “Brothers In Arms” dos Dire Straits que espelha o sentimento que me seduz nessa falada amizade. Os que estão perto e os que estão longe, os que nos fazem rir e os que não nos deixam chorar, todos eles são os companheiros que temos para as batalhas da vida, e nem que a desvantagem numérica seja descomunal, a qualidade das armas desta amiga amizade tornam qualquer batalha, e qualquer guerra, num passeio de bons amigos.
Passo agora a ouvir-me a mim, desafinado e com uma guitarra nos braços, a cantar o meu amor num aniversário especial. O amor, “fogo que arde sem se ver” como diz Camões, atingiu-me como uma flecha disparada por um arco supersónico mas subtil e fofo, como ela. Cada gargalhada, cada sorriso, cada expressão carinhosa e vocativo engraçado fazem dela a senhora que manda no meu coração e sustenta a minha felicidade, porque o amor é isso, uma troca de felicidade numa simples troca de olhares, e nisso o nosso amor é, sem dúvida, o melhor do mundo.
Por fim, de volta à calma do jazz onde tudo começou. Depois de todos os pensamentos ficam as conclusões e a vontade de fazer algo com elas, de mudar tudo e todo o mundo. Mas não agora, agora é tempo de descansar, fechar os olhos e aproveitar a música.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Um rei e uma Rainha...



 “Obrigado” é a palavra mais bonita do mundo. Dizer “obrigado” é das melhores sensações do mundo, ter alguém a fazer por nós tanto que chega a merecer tamanha honra de ouvir um “obrigado” é ter um tesouro inesgotável.

O rei, sentado confortável no comboio, leu estas palavras no seu passeio pela internet e, ao meditar sobre elas, lembrou-se da sua Rainha que, no castelo, o esperava com as novidades de um tempo interminável, lembrou-se, o rei, daquelas tardes solarengas de adolescência onde… aquela senhora não pode estar de pé. Depois de ceder o seu lugar a uma senhora sorridentemente humilde, o rei embrenhou-se de novo nos fios sedutores do cabelo da sua Rainha, carregada de saudades que já nessa adolescência apaixonada e requintada em detalhes únicos e secretos eram… próxima paragem: castelo real. É a voz da senhora do comboio que alerta o rei sonhador para a saída, para a chegada.
Há um abraço, à entrada do castelo, a Rainha pára as suas coisas para abraçar o seu rei com a força de quem ama, e eu, como narrador omnisciente que sou, sei que muitos mais abraços acontecerão, quando forem apenas os dois, rei e Rainha, lado a lado, no centro do mundo, como no xadrez. Depois desse abraço sem fim, o rei sorriu, sorriu com todas as memórias que unem o passado e o presente. Foi também com um sorriso nos seus lábios apaixonantes que a Rainha ouviu a pergunta do rei: “Lembras-te do amor incansável dos nossos abraços quando éramos jovens?”… pai pai, já consigo marcar golos aos meninos grandes da minha escola. Depois de ver e aplaudir os novos remates do principezinho no jardim do castelo, o rei não se esqueceu de terminar o que tinha que dizer: “Esse amor é tão nosso, tão presente, tão eterno.”… pai pai, anda ouvir aquela música difícil que agora já consigo tocar no piano. No fim da bela e aplaudida peça musical da princesinha, o rei deu uma carta das suas saudades à bela Rainha, esta carta:

Olá querida Rainha,
Escrevo esta carta debaixo de uma chuva amena que me faz lembrar as tuas mãos, por cair como elas suavemente no meu corpo e me aquecer sem pedido. Aqui, longe de ti, não tenho um sorriso inspirador para acordar bem-disposto e por isso fico mais rabugento do que quando o Benfica perde. Fazes-me falta nesse acordar com um sorridente “bom dia” que anima todo o meu corpo. Diz-me, amor, como estão as coisas? O principezinho já consegue marcar golos aos meninos grandes da escola? E a princesinha  já consegue tocar aquela peça de piano difícil? Faz-me falta a correria das nossas crianças pelo castelo a dar cor à nossa já colorida vida.
Tu fazes-me falta, cada palavra que me dizes, cada gesto das tuas mãos, cada detalhe do teu corpo, tudo isso me faz falta. Faz-me falta beijar-te e ter-te no meu colo, faz-me falta fazer-te sorrir e sorrir por causa disso. Aqui, longe de ti, faz-me falta desarranjares-me o meu cabelo daquela forma que só tu sabes fazer, faz-me falta o teu perfume, a tua beleza.
Voltarei em breve meu amor, para te abraçar como mereces, por seres, como sempre foste, a mulher da minha vida.
Um beijo demorado e cheio de amor.
Amo-te.
O teu rei apaixonado.

O rei segurou carinhosamente as pequenas lágrimas que os olhos apaixonantes da Rainha não conseguiram conter, e só acrescentou uma palavra a tudo o que sentia na carta: “obrigado”. Mas sobre tudo o que este obrigado contém em si falarei noutro capítulo, noutra altura porque agora, na minha condição de narrador omnisciente, vou apreciar e deliciar-me com este amor real que parece não ter limites.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Amar e/é sofrer...



Há coisas a que só damos valor quando desaparecem. “Mas isso são saudades, se sentimos falta é porque gostamos, antes e depois de perder.”. Não se trata de gostar ou não gostar, trata-se de mostrar o que sentimos, de tratarmos bem, de mimarmos, de fazermos o outro feliz só porque gostamos dele. “Mas isso só torna mais difícil a perda.”. É verdade, mas a vida é isso: amar e sofrer. “Isso é tão masoquista”. E compensador. “Como compensador?”. Amares verdadeiramente alguém é tão delicioso como ser amado, sentir que alguém depende de ti para ser feliz e conseguires fazê-lo, é a melhor coisa do mundo! “E vale a pena? Mesmo que, no fim, percas tudo e sofras tanto?”. Sim, não há melhor forma de manter viva a memória de alguém do que sofreres com a sua partida. E sim, é doloroso e custa seguir em frente, mas sabe tão bem usufruir desse amor que sentimos e recebemos. “Mas se amares menos, sofrerás menos! Não seria mais simples? E até menos desgastante?”. Sim. Amar, mesmo sem a perda, custa, exige de nós, mas dá sentido à nossa vida, faz-me melhores e mais completos. E quando perdemos, o amor, que permanece para sempre em nós, muda-nos, faz-nos ser diferentes. “Ou seja: sofrer, para além de te deixar completamente triste, faz-te bem? Faz-te bem?”. Não é bom sofrer, mas é sinal que amaste, que deste de ti a alguém e foste feliz assim, e isso é tão bonito! “Bonito é, mas é doloroso e triste!”. Nunca amaste ninguém? “Já, e por isso é que te digo que não vale a pena!”. Não foste feliz enquanto amaste? “Fui, muito feliz mesmo, mas sofri e sofro tanto por ter perdido.”. Ao olhares para trás não ficas feliz ao recordar o quão feliz foste, o quão feliz fizeste essa pessoa? “Olhar para trás? Mas o presente é que conta, no presente é que eu sofro!”.  Pensa no passado, pensa no quão feliz eras… “No presente não o sou.”. Tu és aquilo que viveste, és cada sorriso que criaste, cada presente que deste, cada carinho que ofereceste. Tu és a felicidade que viveste. “E sou também a tristeza da ausência, a dor da perda!” Verdade. É normal estares e seres triste, eu também o estou e sou, mas ao mesmo seres feliz e orgulhoso do que fizeste e amaste! “Estar triste e contente ao mesmo tempo?”. E ser feliz e infeliz em simultâneo! “Ou seja, chorar com a perda e sorrir com aquilo que tivemos?”. Que tivemos e que permanece em nós, naquilo que somos. “Porque somos aquilo que vivemos, e somos um pouco da pessoa que amamos e amaremos sempre, chorando, sorrindo, relembrando!”. Exato! Agora, querida consciência, já me podes deixar dormir?



“Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.”
Ricardo Reis