Estou num daqueles
momentos de epifania, um daqueles momentos raros em que toda a nossa vida nos
passa pela cabeça, todos os nossos amigos e conhecidos, todos os bons e maus
momentos, todas as lágrimas e todos os risos, tudo com uma banda sonora de um jazz
calmo e acolhedor. Passando tudo pela minha mente, ficam as conclusões e a
vontade de fazer algo com elas, de mudar tudo e todo o mundo. Mas não agora,
agora os pensamentos voltam e pedem-me para preencherem esta folha, para se
transformarem em palavras e encherem esta folha. Porque não?
O jazz dá lugar a um instrumental de piano com apontamentos de violino num registo
melancólico e triste pois assim é o pensamento mais rápido a chegar à minha
caneta. A morte devia ser culpa de alguém, alguém em quem os que ficam pudessem
descarregar a fúria, a mágoa, as palavras que ficaram por dizer e os
sentimentos que ficaram mostrar. E esse mesmo alguém devia ter a dor de todos os
que ficam, desamparados, sozinhos e perdidos. A morte devia vir com um manual
de instruções, um guia de o que fazer, como agir, como chorar, o que dizer, o
que sentir. Devia, a morte, ensinar, a quem não vai com ela, como preencher o
vazio deixado por aqueles que a têm que acompanhar.
“Eu quero ser mais que
perfeito, maior do que a imaginação (…)”. Estes versos, da primeira e original
abertura de Pokémon, são o segundo pensamento: a infância. Tudo devia ser como
na infância, mais fácil, mais sincero, mais feliz, mais divertido e com motivos
fortes para nos fazer levantar da cama antes da hora da escola, como ver na
televisão alguém como nós a andar “por toda a parte, pelos quatro cantos da
Terra”. Tempos simples, tempos felizes e, sobretudo, tempos únicos.
Depois disto, o
silêncio, musicalmente representando-se a si mesmo, como paragem na corrente de
pensamentos avassaladoramente rápida da minha mente. O silêncio é desprezado
quando, na verdade, ele diz mais palavras do que todos os dicionários do mundo,
é preciso aprender a ouvi-lo e aprender a percebê-lo mas para isso não existem dicionários,
infelizmente.
O futuro, desconhecido
e irritante como o som que agora ocupa o meu cérebro, surge como a lembrança do
valor do presente que, no fundo, determinará aquilo que os nossos (e não
só) ouvidos ouvirão nesse tempo do amanhã. Parafraseando um conhecido ditado: o
queres ter amanhã, conquista-o hoje, porque o futuro, nu e cru, não passa de um
tempo desconhecido e irritante, como o som, à espera de um empurrãozinho para
mudar.
Depois de tantos
pensamentos e tantos sons, há uma guitarra que surge no eco de um “novo”
pensamento: a amizade, cantada num “Brothers In Arms” dos Dire Straits que
espelha o sentimento que me seduz nessa falada amizade. Os que estão perto e os
que estão longe, os que nos fazem rir e os que não nos deixam chorar, todos
eles são os companheiros que temos para as batalhas da vida, e nem que a
desvantagem numérica seja descomunal, a qualidade das armas desta amiga amizade
tornam qualquer batalha, e qualquer guerra, num passeio de bons amigos.
Passo agora a ouvir-me
a mim, desafinado e com uma guitarra nos braços, a cantar o meu amor num
aniversário especial. O amor, “fogo que arde sem se ver” como diz Camões,
atingiu-me como uma flecha disparada por um arco supersónico mas subtil e fofo,
como ela. Cada gargalhada, cada sorriso, cada expressão carinhosa e vocativo
engraçado fazem dela a senhora que manda no meu coração e sustenta a minha
felicidade, porque o amor é isso, uma troca de felicidade numa simples troca de
olhares, e nisso o nosso amor é, sem dúvida, o melhor do mundo.
Por fim, de volta à
calma do jazz onde tudo começou. Depois de todos os pensamentos ficam as
conclusões e a vontade de fazer algo com elas, de mudar tudo e todo o mundo.
Mas não agora, agora é tempo de descansar, fechar os olhos e aproveitar a música.
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