quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Pensamentos ritmados



Estou num daqueles momentos de epifania, um daqueles momentos raros em que toda a nossa vida nos passa pela cabeça, todos os nossos amigos e conhecidos, todos os bons e maus momentos, todas as lágrimas e todos os risos, tudo com uma banda sonora de um jazz calmo e acolhedor. Passando tudo pela minha mente, ficam as conclusões e a vontade de fazer algo com elas, de mudar tudo e todo o mundo. Mas não agora, agora os pensamentos voltam e pedem-me para preencherem esta folha, para se transformarem em palavras e encherem esta folha. Porque não?
O jazz dá lugar a um instrumental de piano com apontamentos de violino num registo melancólico e triste pois assim é o pensamento mais rápido a chegar à minha caneta. A morte devia ser culpa de alguém, alguém em quem os que ficam pudessem descarregar a fúria, a mágoa, as palavras que ficaram por dizer e os sentimentos que ficaram mostrar. E esse mesmo alguém devia ter a dor de todos os que ficam, desamparados, sozinhos e perdidos. A morte devia vir com um manual de instruções, um guia de o que fazer, como agir, como chorar, o que dizer, o que sentir. Devia, a morte, ensinar, a quem não vai com ela, como preencher o vazio deixado por aqueles que a têm que acompanhar.
“Eu quero ser mais que perfeito, maior do que a imaginação (…)”. Estes versos, da primeira e original abertura de Pokémon, são o segundo pensamento: a infância. Tudo devia ser como na infância, mais fácil, mais sincero, mais feliz, mais divertido e com motivos fortes para nos fazer levantar da cama antes da hora da escola, como ver na televisão alguém como nós a andar “por toda a parte, pelos quatro cantos da Terra”. Tempos simples, tempos felizes e, sobretudo, tempos únicos.
Depois disto, o silêncio, musicalmente representando-se a si mesmo, como paragem na corrente de pensamentos avassaladoramente rápida da minha mente. O silêncio é desprezado quando, na verdade, ele diz mais palavras do que todos os dicionários do mundo, é preciso aprender a ouvi-lo e aprender a percebê-lo mas para isso não existem dicionários, infelizmente.
O futuro, desconhecido e irritante como o som que agora ocupa o meu cérebro, surge como a lembrança do valor do presente que, no fundo, determinará aquilo que os nossos (e não só) ouvidos ouvirão nesse tempo do amanhã. Parafraseando um conhecido ditado: o queres ter amanhã, conquista-o hoje, porque o futuro, nu e cru, não passa de um tempo desconhecido e irritante, como o som, à espera de um empurrãozinho para mudar.
Depois de tantos pensamentos e tantos sons, há uma guitarra que surge no eco de um “novo” pensamento: a amizade, cantada num “Brothers In Arms” dos Dire Straits que espelha o sentimento que me seduz nessa falada amizade. Os que estão perto e os que estão longe, os que nos fazem rir e os que não nos deixam chorar, todos eles são os companheiros que temos para as batalhas da vida, e nem que a desvantagem numérica seja descomunal, a qualidade das armas desta amiga amizade tornam qualquer batalha, e qualquer guerra, num passeio de bons amigos.
Passo agora a ouvir-me a mim, desafinado e com uma guitarra nos braços, a cantar o meu amor num aniversário especial. O amor, “fogo que arde sem se ver” como diz Camões, atingiu-me como uma flecha disparada por um arco supersónico mas subtil e fofo, como ela. Cada gargalhada, cada sorriso, cada expressão carinhosa e vocativo engraçado fazem dela a senhora que manda no meu coração e sustenta a minha felicidade, porque o amor é isso, uma troca de felicidade numa simples troca de olhares, e nisso o nosso amor é, sem dúvida, o melhor do mundo.
Por fim, de volta à calma do jazz onde tudo começou. Depois de todos os pensamentos ficam as conclusões e a vontade de fazer algo com elas, de mudar tudo e todo o mundo. Mas não agora, agora é tempo de descansar, fechar os olhos e aproveitar a música.